03/01/06:
San Pedro de Atacama/CHI
Dessa
vez, tenho o dia livre, posso dormir quanto quiser. Mas me acostumei
a acordar cedo lá, então deixo a cama junto dos demais
pra tomar o "desarranjo" com o pessoal.
Não
tenho um "plano de vôo" definido. Mas quero
pegar a estrada do Paso de Jama de novo, com calma, para chegar
a San Pedro vendo tudo, e não passando mal como da
vez anterior, em que eu bestamente resolvi descer correndo.
Tinha descoberto que onde eu tinha passado mal era bem no
pé do Licancabur, o maior vulcão do Atacama.
Preciso voltar lá!
O
"pé" do Licancabur é imenso, deve
ter umas dezenas de quilômetros de raio. Quero chegar
mais perto.
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A trilha, o Licancabur e eu, estragando a foto... |
Ponte "nas coxas" sobre o canyon. Está interditada
para pessoas, imagine passar com a moto... |
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Encontro
uma trilha saindo da estrada principal. Apetitosa! Vou seguindo
e chego num canyon. Tem uma pequena ponte. Interditada. Nem
o "barato" da altitude vai me fazer atravessá-la.
A
ponte é feita de entulho de madeira, grades antigas
e painéis de geladeira (ao que parece). Atravessei-a
à pé para ver se a grade que a está interditando
é removível, e só com o meu peso a desgraça
já chiou.
Não
vai ser dessa vez, nem por esta trilha, que chegarei ao pé
do Licancabur, definitivamente.
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A trilha para o Licancabur e a ponte interditada sobre o canyon
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Vista do canyon, desde a precária ponte. Note o rosto
de mulher esculpido pela natureza na rocha (aprendi com o João
Celso) |
Vou
procurar outro lugar legal pra andar de moto. Tenho um mapinha
feito à mão que o Erlon conseguiu na loja que
aluga bicicletas. É meu guia, junto com a bússola
no painel da KTM (que chamo de GPS de pobre).
Ele
me alerta também sobre a existência de minas
terrestres na região. De fato, há até
algumas placas alertando. As
minas são um souvenir deixado pela Bolívia quando
esta disputou estas terras com o Chile.
Pego
um caminho qualquer do mapa e vou seguindo. A estrada é
fácil de pilotar, só em alguns trechos tem areia.
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Cuidado. Campo minado
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A belíssima estrada para o túnel, em San Pedro
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Chego
num rio. Tem uns 40 cm de profundidade e fundo com pedras
redondas, fácil de derrapar. Tem alguma correnteza.
Estou sozinho, tenho medo de tombar a moto no meio do rio.
Seria muita ironia sofrer um calço hidráulico
no meio do deserto mais seco do mundo. Retorno.
Pego
a estrada que vai para um tal "túnel". Sempre
gostei de túneis.
A
estrada é uma delícia, a ida é em subida,
a pista é livre de buracos e com um pouco de areia
pra moto derrapar na medida. A paisagem é surreal,
totalmente seca
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Vejo
o túnel. No meio do nada, atravessando uma montanha.
Tiro muitas fotos porque acho que o túnel não
dura muito. A erosão está chegando perto de
sua entrada.
De
fato, já está difícil chegar de moto.
O piso é arenoso, estreito e inclinado, te "puxando"
pro precipício criado pela erosão.
Uma
grande pedra caiu no meio do túnel, impossibilitando
a passagem de veículos. Mas a KTM vai. A moto é
barulhenta (ainda mais dentro do túnel) e pedriscos
vão caindo do teto. Dá medo!
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Outra vista da estrada para o túnel |
A entrada do túnel, no meio do nada, quase sendo engolida
pelo precipício criado pela erosão. A trilha pra
chegar lá é traiçoeira |
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A saída do tunel, do outro lado |
O túnel não tem construção, é
simplesmente um buraco no meio da montanha. Tem uns 300 m de
comprimento, e parece desmoronar aos poucos |
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No meio do caminho tinha uma pedra. E das grandes! O barulho
do motor da moto não é muito bom pra fragilidade
da estrutura |
A entrada do túnel, datada de 1930. Vê-se a luz
no fim do mesmo |
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A saída do túnel, de onde vinha a luz citada na
legenda anterior... |
Pego
a estrada de volta. Olho o mapinha, decido ir para o Vale da Morte.
Pego uns caminhos esquisitos, fora dos principais. Sofro um pouco
com o areião. A moto está calçada com Pirelli
MT90, péssimo pra esse tipo de terreno. Além disso,
tem uns 25 litros de gasolina no tanque e uns 10 kg de bagagem no
top case.
A estradinha
para o Vale da Morte é muito legal, encravada nas montanhas,
sem buracos, só um pouco de areia.
Aparece
um areião bravo. Paro a moto, vou à pé ver. É
muito fofo, mas são só uns 200 metros. Se os caras do
Dakar conseguem, por que não eu?
Pego
um pouco de velocidade e entro no areião. Em cerca de 30 metros,
estou parado com o protetor do motor encostado no chão.
O Vale da Morte, em San Pedro |
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Desço
da moto, tiro a jaqueta, o camelbak, o top case. A moto não
vai nem pra frente, nem pra trás. Tento cavar um pouco,
mas acho que tem metros de areia até chegar em algo
firme. O jeito é arrastar, de lado. Encosto o banco
da moto na coxa e vou arrastando.
Do
nada, aparece um americano de sandboard (pra se ter uma idéia
de como eu estava no lugar errado...), me ajuda a virar a
moto e então eu consigo sair do areião, no sentido
contrário.
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Saio
do Vale da Morte e pego a estrada asfaltada que vai a Calama. Encontro
uma escultura de pedra na beira da estrada e paro pra fotografar.
Quando desço da moto, vejo que está faltando uma de
minhas luvas, que estava presa no elástico sobre o top case.
Fiquei
preocupado! Como cruzar os Andes sem uma luva decente? Refaço
todo o caminho (uns 30 km) até o Vale da Morte. Encontro a
luva quase onde eu tinha atolado a moto no areião. Agradeço
São Longuinho e volto pro hotel.
Depois
de fazer um lanche, resolvo tomar uma cerveja pra refrescar.
Dá moleza e vou dar um cochilo.
Minha
idéia é sair lá pelas 19h00 pra tirar
umas fotos do pôr-do-sol, mas a moleza me faz perder
hora.
Acordo
correndo, olho pro céu, o sol já se escondeu
(de novo). Tenho a idéia de sair correndo pro Oeste,
pra ver se consigo pegar o céu ao menos avermelhado.
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Descansando da trilha, com uma geladíssima Cristal, na
varanda do hostal |
A noite caindo, à beira de um precipício, na Cordilheira
de Sal |
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Pego
em direção à Cordilheira de Sal, por
asfalto. Depois de andar alguns quilômetros, vejo um
penhasco bacana. Saio
da estrada e começo a andar por trilhas em direção
ao penhasco. Chego lá, desço da moto e começo
a fotografar.
Tem
muito vento e a noite cai rápido. Guardo tudo no top
case pro vento não levar penhasco abaixo.
Resolvo
voltar, já está escuro. Descubro que há
muitas trilhas e não guardei qual era a certa. Sabia
mais ou menos a direção por causa da bússola.
Entrei na trilha errada umas 3 vezes, quase atolei no areião.
Depois de uns 40 minutos rodando na escuridão do deserto,
perdido, encontro a estrada certa. Deus ajuda os burros que
se metem no deserto, acho eu...
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Auto-retrato com cara feliz. Ainda não sabia que estava
perdido... |
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Eu e a KTM formamos um par perfeito na viagem. Uma senhora parceira!
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A moto perfeita para o deserto |
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Bela vista do horizonte desde a Cordilheira de Sal |
O pessoal de lá tem o hábito de fazer estes tótens
empilhando pedras. Não me parece boa idéia carregar
pedras a essa altitude, mas há que se respeitar a cultura
dos outros... |
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O céu do deserto é lindo! A Lua, lá no
alto, estava entre Nova e Crescente |
Voltei
pro hostal, encontrei com o pessoal. Me disseram que o passeio à
Bolívia foi o melhor de todos, em termos de paisagem, embora
a estrutura fosse péssima (segurança, transporte, acomodação).
O melhor passeio é sempre o que a gente não vai, não
é? Mas não me arrependi nem um pouco, adorei meu dia
livre. Fui pra lá pra andar de moto no deserto ou andar de
Sprinter, afinal?
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